É preciso querer bem à cidade

por Francisco Cunha, sócio da TGI Consultoria em Gestão
E como gostar delas se a detratamos, ainda que debrincadeirinha“?
Como convidado do Sarau Plural de outubro, realizado na Arte Plural Galeria, Rua da Moeda, Recife, sob a coordenação de Homero Fonseca, Marco Polo e Geraldo Maia, pude falar sobre um tema para mim fundamental: o bem querer pelo Recife, sem o qual não é possível recuperar a cidade, transformando-a num bom lugar para viver.
Virou moda usar a expressão “Hellcife” para se referir à cidade do mesmo modo que “Recifede” e assim como, tempos atrás, usava-se a expressão “Recífilis”. Acho isso muito ruim porque considero que cidades são como pessoas: não têm salvação se não gostamos delas. E como gostar delas se a detratamos, ainda que de “brincadeirinha”?
Tive oportunidade de citar Francisco de Oliveira, sociólogo pernambucano, superintendente-adjunto de Celso Furtado na Sudene, que escreveu no ensaio “Noiva da Revolução” sobre o Recife o seguinte: “uma cidade é mítica, é sonhada ou não é cidade”. E como sonhar com uma cidade e reconhecer o mito se não gostamos dela?
Acho que isso é ainda mais grave quando se trata de gente jovem. Conversando com João Recena outro dia sobre o assunto, ele disse uma coisa que não devia me surpreender mas que terminou me impressionando muito: “tem muito jovem no Recife que conhece Orlando antes de conhecer o centro da cidade”. E como gostar de uma cidade que não se conhece?
Sim, muitos argumentam que a qualidade de vida no Recife deteriorou-se muito, que a mobilidade virou um inferno, que as calçadas estão intransitáveis e cheias de carros, que o esgoto está estourado por todos os cantos, que os canais e os rios estão cheios de lixo e esgoto, que a fiação transformou-se num verdadeiro caos aéreo… Sim, tudo isso é verdade e muito mais coisas ainda, porém nada é justificativa para não querer bem à cidade, nossa casa maior.
É justamente nessa hora difícil que qualquer ser vivente doente (pessoa, animal de estimação, planta, cidade…) precisa de atenção, cuidados e, sobretudo, bem querer para se recuperar.
É verdade que algum movimento nesta direção virtuosa já se iniciou como são exemplos a boa utilização das ciclofaixas e a ocupação do Bairro do Recife nos domingos e feriados… Mas é preciso mais e esse mais começa pela nossa atitude de formadores de opinião engajados, críticos, mas que querem inequivocamente bem à cidade.
Criticar é preciso … mas, no final de contas, fácil; já envolver-se em movimentos para fazer a mudança… é bem mais difícil, mas absolutamente essencial para fazer a diferença entre o bom e o ruim.
*Artigo publicado na edição 104 da revista Algomais (www.revistaalgomais.com.br)