Pedestre, esse invisível

por Francisco Cunha, sócio da TGI Consultoria em Gestão
Toda a desconsideração existe simplesmente porque o pedestre não existe ou, então, é invisível.
Recentemente cheguei a uma conclusão terrível: o pedestre não existe no Recife. Ou, pelo menos, se existe é invisível.
Depois de andar a pé mais de 3.000 km (distância do Recife a São Paulo) dentro da cidade nos últimos sete anos, de ter-me indignado incontáveis vezes com o estado inqualificável das nossas calçadas, de ter aplicado centenas de multas cidadãs nos carros impunemente estacionados nos passeios públicos, de ter lançado um livro com Luiz Helvecio sobre a calçada como primeiro degrau da cidadania, de ter feito dezenas de palestras sobre a importância da caminhada e da cidadania deambulatória, me dou conta, subitamente, dessa coisa absolutamente obvia: toda a desconsideração existe simplesmente porque o pedestre não existe ou, então, é invisível.
Se não for assim, como explicar, por exemplo, que todos os carros que saem dos lotes em direção à rua passem por cima da calçada velozmente como se nem ela nem os pedestres que nela transitam existissem e parem, justamente, antes de entrar no leito da rua para não serem abalroados nem abalroarem os carros que já estão lá? Lógico que é porque os carros existem e são bem visíveis mas os pedestres não. Isso, apesar do Código de Trânsito Brasileiro ser explícito sobre a prioridade do pedestre na calçada e de existir uma Lei Municipal (17.467/2008) obrigando a afixação de placas em locais de entrada e saída de carros com os seguintes dizeres: “Atenção motorista. Pedestre na calçada tem prioridade”. Teria se existisse…
Outra questão: como explicar que além do enorme desrespeito que é estacionar carros sobre a calçada, agora a moda seja o tráfego em velocidade de motos e, mais recentemente, de bicicletas sobre os passeios do Recife, aumentando muito o risco de atropelamento do pedestre na própria calçada, um completo absurdo lógico?
Só pode ser porque as pessoas que fazem isso não acreditam na existência dos pedestres e, se acreditam, simplesmente, não os veem. Só pode ser isso, claro! Porque crer que eles veem e fazem o que fazem de propósito, como cheguei a pensar até ter tido enfim a clarividente revelação da invisibilidade, é demasiado desabonador.
Por isso, nesse primeiro artigo do ano, desejo a todos os leitores que, antes de qualquer outra qualificação relativa à mobilidade urbana, são em primeiro lugar pedestres (mesmo os mais radicais usuários de outros modais chegam, se podem, até eles a pé) e, sendo assim, fazem parte dessa avassaladora e invisível maioria, um excelente ano novo e pelo menos um pouco mais de visibilidade no Recife em 2014.
*Artigo publicado na edição 94 da revista Algomais (www.revistaalgomais.com.br).