A falsa entrevista de Marcola e o cuidado que se deve ter com a internet

 
Desde há mais de um mês circula pela internet, em correntes de e-mail, uma suposta entrevista do tristemente famoso traficante Marcola, líder do PCC. Na verdade, trata-se de um texto de ficção intitulado “Estamos Todos no Inferno” escrito por Arnaldo Jabor em sua coluna de 23.05.2006 no jornal O Globo. Muita gente passou batida, não percebeu o engano e ajudou a aumentar a corrente do texto apócrifo.

“Eu escrevi nos jornais uma coluna em que inventei uma entrevista imaginária com um traficante preso do PCC. Na entrevista o personagem de ficção critica o Brasil de hoje e denuncia os erros das polícias e da sociedade. É um texto do qual eu me orgulho. É legal o texto. E todo mundo gosta, mas não acreditam que fui eu que fiz. Acham que é real a lucidez do bandido.”

Arnaldo Jabor, Rádio CBN, 07.07.06

O próprio Jabor é um dos autores aos quais são atribuídos inúmeros textos falsos que circulam pela internet e terminam se tornando “clássicos”, como outros de Millôr Fernandes, Luís Fernando Veríssimo, João Ubaldo Ribeiro, Caetano Veloso, Jorge Luis Borges, Carlos Drummond de Andrade, Gabriel Garcia Márquez entre inúmeros autores. Até livro já foi escrito sobre o assunto. Trata-se de “Caiu na Rede” da jornalista Cora Rónai, editora Agir.

“A internet pela facilidade e rapidez de divulgação de e-mails, massificou a rapinagem.”

Martha Medeiros, escritora, no livro “Caiu na Rede”

O episódio da pseudo entrevista de Marcola já tem até nome para identificar esse tipo de fenômeno, cada vez mais freqüente na internet. Trata-se de um hoax que tem definição na enciclopédia virtual Wikipedia.

“Um hoax, uma mensagem alarmante, um ‘vírus social, que utiliza a boa fé das pessoas para se reproduzir’, como define a Wikipedia.”

Ricardo Anderáos (blog.estadao.com.br/blog/anderaos)

No livro, a autora Cora Rónai identifica aquele que teria sido o primeiro texto com autoria trocada na internet: “Filtro Solar”, atribuído ao escritor Kurt Vonnegut, em 1997. A verdadeira autora, jornalista do Chicago Tribune, Mary Schmich, que virou web-celebridade por conta da falsificação de que foi vítima, escreveu sobre o assunto:

“Qualquer coisa, escrita por qualquer um, com qualquer nome na etiqueta, pode ser lançado no ciberespaço e, em questão de horas, ser lido por multidões ao redor do mundo. A palavra escrita sempre foi poderosa. Mas quando o poder da palavra junta-se ao poder da web, cria-se uma força maior do que tudo o que já vimos.”

Mary Schmich, em “Caiu na Rede”

Todo cuidado é pouco, portanto, com o que vem ou vamos buscar na internet. Trata-se de um meio ideal para falsificações. Luís Fernando Veríssimo, com o humor de sempre, relata o embaraço do pseudo-autor:

“O incômodo, além dos eventuais xingamentos, é só a obrigação de saber o que responder em casos como o da senhora que declarou que odiava tudo que eu escrevia até ler, na internet, um texto meu que adorava, e que, claro, não era meu. Agradeci, modestamente. Admiradora nova a gente não rejeita, mesmo quando não merece.”

Luís Fernando Veríssimo, em “Caiu na Rede”