O que transformou o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira no mito JK?


Depois que a Rede Globo lançou, com a competência que lhe é peculiar, a minissérie JK, observou-se grande interesse pela figura do presidente que virou mito. Nenhum outro, como ele, na história recente do Brasil, atingiu tal grau de permanência no imaginário popular como representante de uma época de ouro do país.
“Depois dele, não houve presidente com o mesmo alto-astral político, a visão estratégica e a capacidade de pôr idéias em prática.”
Marcos Figueiredo, cientista político, Iuperj
Quando se procuram as causas dessa permanência de JK no imaginário popular, logo salta à vista sua responsabilidade pela elevação da auto-estima do brasileiro, numa época em que predominava o baixo astral cívico.
“O brasileiro de 1950 era um humilde de babar na gravata. Quando passava a carrocinha de cachorro, cada um de nós tinha medo de ser laçado também.”
Nelson Rodrigues, 1912-1980, dramaturgo brasileiro
Juscelino reunia características pessoais incomuns que se refletiram na atividade pública de forma inusitada na paisagem política nacional.
“Ele era um homem público que acreditava em planejamento, um espécime raro hoje, que está fora de moda no Brasil. É o tipo de personagem que cresce com o tempo.”
Maria Victoria Benevides, socióloga da USP
Affonso Heliodoro, amigo e auxiliar direto de JK desde o governo de Minas, quando exerceu a Chefia da Casa Militar, descreve no livro “JK – Exemplo e Desafio” (Tresaurus Editora, Brasília, 2005) a sua personalidade.
“Enérgico, determinado. Mas, ao mesmo tempo, amigo atencioso, incapaz de uma grosseria. Se porventura deixava escapulir uma palavra dura ou um gesto menos delicado, procurava imediatamente demonstrar que nada havia de pessoal naquela atitude.”
Affonso Heliodoro, “JK – Exemplo e Desafio”
Juscelino chegou à Presidência da República pilotando uma campanha cujo slogan foi “50 anos de progresso em 5 de governo”, numa época politicamente bastante conturbada, depois de uma infância pobre na mineira Diamantina, dos estudos de medicina em Belo Horizonte e da passagem pela prefeitura de BH, pela Câmara Federal e pelo governo de Minas. Foi um democrata na acepção da palavra mas observou com rigor o princípio da autoridade. O sindicalista Dante Pelacani conta no excelente documentário “Os Anos JK”, do cineasta Sílvio Tendler, o que ouviu dele depois de dizer que faria uma greve contra decisão da Justiça.
“Olha, Dante, greve contra a Justiça não existe. O que existe é revolução. Se você e seus companheiros tiverem condições de fazer uma revolução e derrubar o governo, façam-na. Mas se não tiverem essa condição, não façam nada porque o pau vai cantar.”
JK, segundo Dante Pelacani, “Os Anos JK”
Além das qualidades pessoais, que incluíam o bom humor e o reconhecimento da falibilidade (segundo Elio Gaspari costumava repetir: “não tenho compromisso com o erro”), talvez as razões do mito sejam três características incomuns de homem público: (1) teve crença firme no Brasil e nos brasileiros; (2) prometeu esperança; (3) cumpriu o que prometeu. Coisas muito raras de serem encontradas juntas num país tão pobre de lideranças públicas como é o nosso caso.