O espírito de equipeé mais importante que a técnica

 
O tema desta semana ainda é Felipão e a contribuição do seu sucesso ao trabalho gerencial. Foram várias as manifestações dos leitores sobre o GH/385 e inúmeras as matérias publicadas na imprensa nacional sobre o assunto. Até por quem habitualmente não escreve sobre futebol, como foi o caso do colunista econômico Luís Nassif:

“Quem viu a seleção de Zagallo de 1970, a de Telê de 1982, mesmo a de Parreira de 1994 não pode considerar Felipão um grande estrategista. Mas o seu sucesso comprova que foi sábio ao se basear em dois fatores relevantes em qualquer organização. O primeiro: saber criar um espírito de equipe. O segundo: não se deixar contaminar pelos 500 mil palpites que desabaram sobre sua cabeça. Assimilou algumas críticas, mas nunca deixou que a barafunda de palpites interferisse no roteiro traçado mesmo sendo um roteiro pouco brilhante.”

Luís Nassif, Folha de S. Paulo, 02.07.2002

Nassif captou muito bem o cerne do bom desempenho gerencial de Felipão à frente da nossa seleção, destacando seus méritos mais importantes e relevantes do ponto de vista organizacional. Tudo o mais que se disse dele, como fez, por exemplo, a edição especial da Veja, pode ser pitoresco mas não tira o brilho de sua contribuição fundamental.
Mesmo a teimosia, característica destacada à exaustão pela imprensa especializada, pelo menos no episódio Romário, teve sua razão de ser. O sujeito é, apesar de um craque inconteste, um individualista desagregador. Como convocar uma pessoa com essas características quando se está buscando montar uma equipe? Nesse caso (ver GH/368), a teimosia não foi mais do que coragem para enfrentar uma quase unanimidade  e seguir sua própria convicção.
Até onde vai a firmeza de propósitos e onde começa a teimosia? É difícil de saber. A única medida só pode ser aferida depois, a partir do resultado conseguido.
O sucesso de Felipão, põe em evidência um aspecto importantíssimo que, num país tão individualista como o nosso, parece até uma heresia:  talentos individuais, por mais extraordinários que sejam, podem muito pouco quando não articulados em equipes competitivas.
O que Scolari conseguiu, apesar do seu jeito passional e irrequieto, foi fazer com que craques do quilate de Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho convivessem produtivamente entre si e com outros jogadores de talentos variados, pelo exercício do comado e da motivação. Fez isso tão bem que os detalhes técnicos ficaram em segundo plano, como bem destaca o ex-jogador, campeão do mundo em 1970, e comentarista esportivo, Tostão:

“A realidade nos mostrou que a capacidade de comandar e motivar os jogadores é, muitas vezes, mais importante que detalhes técnicos ou táticos.”

Tostão, Folha de S. Paulo, 01.07.2002

A melhor lição gerencial do penta poderia ser formulada (se possível fosse ter receitas em gestão) como a “receita do Felipão”: escolha bons jogadores, os mais talentosos que puder, certificando-se de que nenhum deles é um individualista incorrigível; coloque-os para jogar dentro de um esquema estabelecido mas não rígido, corrigindo os erros e ajustando o esquema às características dos adversários; estimule-os com emoção mas não admita nenhuma indisciplina, sobretudo se agredir o espírito de equipe.
Adicione algumas pitadas de sorte e leve ao forno. Depois, sirva quente que, com certeza, os clientes vão gostar.