O tiro no pé já foi dado

“Fica claro que a taxa de juros tem de baixar, senão é um tiro no pé .”

Presidente Fernando Henrique Cardoso, na televisão, última semana de fevereiro/98

O presidente, quando fez essa declaração, devia estar pensando no outro pé, porque um já está atingido pelos juros altos, há tempos.
É por todos sabido, como reconhece até o Banco Central, que se a política econômica não conseguir trazer os juros para um patamar civilizado (em torno de 7% ao ano, com inflação de primeiro mundo), é porque a estabilidade não deu certo.
Hoje, com a última redução “surpreendente”promovida pelo governo, a taxa básica está em 28% ao ano, uma das mais altas do mundo. Juros altos são o imposto pago por todos pela inflação baixa.
Esta é a lógica perversa do Plano Real. Administrar doses cavalares de juros altos (a taxa chegou a atingir inacreditáveis 43% ao ano em novembro de 1997) foi o principal remédio utilizado pelo governo para impedir a saída de dólares das reservas cambiais ao enfrentar as duas grandes crises de credibilidade no plano de estabilização: após a quebra do México em dezembro de 94 e após a eclosão da crise asiática em outubro de 97.
Os efeitos colaterais desse remédio poderoso são muito grandes. Do lado das empresas, o encarecimento absurdo do crédito, os encargos financeiros comendo a margem, o giro e o caixa, levando progressivamente muita gente à asfixia. Quem não tiver muito cuidado e muita vigilância corre o risco de colapsar.
Do lado do setor público, um dado assusta. A dívida pública simplesmente dobrou de tamanho no governo FHC. Passou de R$ 153 bilhões em 01.01.95 (início do mandato) para R$ 306 bilhões em 31.12.97, um crescimento de 100% em três anos. Apesar da arrecadação recorde de R$ 153,5 bilhões, da receita das privatizações, da falta de aumento para o funcionalismo e da CPMF, em 97 o déficit público foi de R$ 52,3 bilhões, sendo R$ 46,4 bilhões só de gasto com juros. É um saco sem fundo.

Preocupa menos o tamanho da dívida (34,3% de um PIB de US$ 806 bilhões, paradoxalmente o 7º do mundo em 97) uma vez que há países de PIB maiores que o do Brasil em que essa relação é bem mais desfavorável e, nem por isso, suas moedas vivem sob ameaça de ataques especulativos. Preocupa mais a capacidade de financiamento deste déficit e de rolagem desta dívida de crescimento vertiginoso.
É uma situação que não pode durar muito. Se a política não mudar, assim como o Plano Real acabou com a inflação, os juros altos vão acabar com o Plano Real.
Segundo informa Celso Pinto em sua coluna de 08.03.98, o Banco Central já não trabalha com a hipótese de diminuir o déficit em 98 (que “continuará acima de 5% do PIB”). Citando palavras de Francisco Lopes, diretor da Área Bancária do BC, “o desafio é 99.”
Portanto, todo o cuidado é pouco com o endividamento em 98.