Parece que o Congresso isolou-seda sociedade e vive numa ilha da fantasia

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Enquanto a crise econômica vai correndo solta no mundo e no Brasil, o cenário político nacional tem sido continuamente perturbado por “escândalos” oriundos do Congresso, primeiro do Senado Federal (com o episódio das 181 diretorias) e, agora, na Câmara dos Deputados (com o episódio das passagens aéreas). A impressão que dá e de acordo com o que vem sendo reproduzindo pela imprensa é que o Congresso dá mostras crescentes de que distanciou-se da sociedade, conforme destacou o deputado Fernando Gabeira no programa Globo News Painel deste final de semana (25 e 26.04.09).

“O país avançou mais do que o Congresso.”

Fernando Gabeira, deputado federal (PV/RJ)

De fato, é impressionante o anacronismo da atuação dos parlamentares em relação às exigências da sociedade e a impressão que dá é que vivem numa espécie de ilha da fantasia. O historiador Boris Fausto, também participante do programa da Globo News, comparou a nossa representação parlamentar aos alienados nobres franceses, enclausurados no palácio enquanto o povo desenvolvia sua insatisfação pelas ruas de Paris.

“A Câmara dos Deputados virou uma espécie de corte de Versalhes (…) no período imediatamente anterior à Revolução Francesa.”

Boris Fausto, historiador emérito da USP

Resultado de um conjunto de regalias criadas por um estado patrimonialista como o brasileiro e pela mudança da capital para Brasília, as facilidades concedidas aos parlamentares que passaram um tempão sem ser percebidas pela sociedade, estão agora sendo expostas à exaustão pela imprensa nacional cuja importância destaca Marco Antônio Villa professor da Universidade Federal de São Carlos/SP, também participante do programa citado.

“A imprensa joga um papel fundamental na democracia brasileira. Ela é hoje uma espécie de grande ouvidora da sociedade.”

Marco Antônio Villa, historiador

Com as regalias expostas pela imprensa e face à indignação da opinião pública, os parlamentares fazem movimentos no sentido de mudar os procedimentos. O Senado reduziu a quantidade de diretorias e anunciou um estudo a ser feito pela Fundação Getúlio Vargas para racionalização administrativa. A Câmara promete disciplinar o uso de passagens. O próprio presidente da casa, o deputado Michel Temer, flagrado usando as passagens para viajar para a Europa com a família, chegou a declarar que se antes era possível fazer isso pela legislação em vigor, agora os parlamentares deveriam cuidar de mudá-la para não ir de encontro à opinião pública. Mas há quem não acredite em mudanças que sejam além de cosméticas.

“Em 2010 vamos eleger um Congresso tão ruim quanto este.”

Marco Antônio Villa, historiador

Os especialistas falam que contribui para isso o anacronismo das regras do sistema representativo brasileiro. Pela legislação vigente, só uma pequena parcela dos candidatos às casas legislativas votados são eleitos. Pela proporcionalidade em vigor, votamos num candidato e os votos vão para o partido. Na prática, um candidato pode ter mais votos do que outro de outro partido mas não ser eleito porque o outro partido teve mais votos no total. Por isso que se fala tanto da reforma política: para consertar essa e outras falhas graves do sistema. Apesar de tudo, há quem seja otimista em relação ao futuro.

“Estamos numa crise de crescimento da democracia brasileira. Se esse Congresso não tiver jeito, vamos arranjar um jeito de ter um Congresso que tenha.”

Fernando Gabeira, deputado federal (PV/RJ)